Poder Judiciário

Negada nulidade de ação penal na Justiça estadual contra indígenas

Da redação (Justiça em Foco), com STF. - 20/09/2018
 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello indeferiu o Habeas Corpus (HC) 158657, impetrado em favor de quatro indígenas de uma mesma família de ancestralidade Kaingang, condenados em primeira instância pela Justiça estadual do Rio Grande do Sul pelos crimes de organização criminosa, extorsão e incêndio doloso. Em sua decisão, o decano da Corte rejeitou a alegação de competência da Justiça Federal pra julgar o caso.

Após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter negado recurso apresentado em favor dos condenados, a defesa impetrou habeas corpus no Supremo pedindo o trancamento da ação penal, com a anulação de todos os atos praticados, sob alegação de que a Justiça comum não seria competente para processar e julgar os indígenas. Sustentou que a atribuição caberia à Justiça Federal em razão de os fatos estarem supostamente relacionados à disputa iniciada a partir da demarcação da Terra Indígena de Passo Grande do Rio Forquilha, com área de 1.916 hectares localizada entre os Municípios de Cacique Doble e Sananduva, no Rio Grande do Sul.

Em sua decisão, o ministro Celso de Mello afirmou que a questão da competência penal para processar e julgar crimes praticados por indígenas ou contra eles cometidos é ditada pela natureza dos delitos. Em regra, a competência é da Justiça comum estadual. Será da Justiça Federal somente nas hipóteses de delitos praticados ou sofridos (na qualidade de autor ou vítima) que tenham correlação com os direitos indígenas, ou seja, se o delito tiver conexão com a cultura, a terra, os costumes, a organização social, as crenças e as tradições silvícolas, ou ainda quando a prática delituosa, por afetar a própria existência ou a sobrevivência de uma etnia indígena, resultar em atos configuradores de genocídio.

No caso em questão, conforme observou o decano do STF, os indígenas foram denunciados pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul sob acusação de estruturar organização criminosa para extorquir pequenos agricultores vizinhos. De acordo com a denúncia, de 2013 a 2016, na qualidade de líderes da Terra Indígena de Passo Grande do Rio Forquilha, os denunciados, em comunhão de esforços e vontades, constrangeram agricultores, mediante ameaça de que invadiriam suas terras e casas e destruiriam suas lavouras para obter parte da colheita e quantias em dinheiro. Lavouras inteiras chegaram a ser queimadas por esse motivo, e ainda houve invasão de casas e igreja.

“Legítima, desse modo, a instauração de persecução penal contra os ora pacientes, todos eles silvícolas, perante a Justiça comum estadual, pois, considerado o quadro probatório existente – e ante a ausência, no caso, de disputa sobre direitos indígenas –, não há como acolher-se o pretendido reconhecimento da competência penal da Justiça Federal de primeira instância, com o consequente ‘trancamento definitivo da persecução penal na justiça Estadual, com a anulação de todos os atos emanados do juízo incompetente’, ainda mais se se considerar o teor da própria acusação penal deduzida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul”, disse o decano.

O ministro acrescentou que o juiz da 1ª Vara Federal de Erechim (RS), ao se declarar incompetente para processar e julgar o feito, justificou corretamente a inaplicabilidade do artigo 109, inciso XI, da Constituição Federal (que estabelece a competência dos juízes federais para processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas), ao destacar que, no caso em questão, os motivos que levaram ao cometimento dos crimes tiveram caráter exclusivamente pessoal. Esse mesmo entendimento teve o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao negar habeas corpus impetrado pela defesa.

Assim, as instâncias ordinárias concluíram que as propriedades rurais invadidas pelos índios não têm relação com a Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, porque não estavam sendo ocupadas pelos índios. De acordo com os autos, no território, estavam inseridos e adaptados pequenos agricultores locais que trabalhavam suas lavouras e faziam do ofício na terra seu sustento, alguns dos quais com títulos de propriedade. Segundo explicou o ministro Celso de Mello, para se chegar a conclusão diversa, como pretendia a defesa, seria necessário revolver fatos e provas, o que é incompatível com o habeas corpus.

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