Por Willy Hauffe
Neste tão importante Dia do Perito Criminal, relembramos o quanto ainda há a evoluir no Sistema de Justiça do Brasil. A premissa da perícia oficial de natureza criminal é trazer à tona a verdade dos fatos, doa a quem doer. Os profissionais que exercem a atividade atuam com isenção, imparcialidade e de forma equidistante das partes, sempre guiados pela ciência e com o propósito de garantir o direito fundamental à prova – pilar de um julgamento justo, da ampla defesa e do contraditório. É preciso que as autoridades brasileiras estejam alerta ao risco da flexibilização da prova pericial, problema que gera severa consequência para o processo penal e afronta nosso ordenamento jurídico.
O Código de Processo Penal (CPP) é claro ao determinar que a apuração de crimes que deixam vestígios deve contar obrigatoriamente com o exame pericial, que não pode ser substituído pela confissão do acusado ou por outra espécie de medida que não seja o laudo elaborado especificamente pelos Peritos Oficiais.
E a obrigatoriedade tem justificativa: para garantir um julgamento eficiente e sem a condenação de inocentes, a prova deve buscar a verdade, consubstanciada no devido rigor da ciência, livre de convicções de outra ordem e sem vinculação a linhas investigativas pré-determinadas. Para tanto, não deve atender a interesses da acusação ou da defesa, da esquerda ou da direita, ou de qualquer autoridade que seja.
A apuração dos fatos exige profissionais que, além da competência científica, possuam a competência legal e as garantias necessárias para exercer a atividade com autonomia técnica, científica e funcional e sujeição à disciplina judiciária e aos mesmos critérios de suspeição dos juízes. Mencionemos, ainda, a possibilidade de sanções penais no caso de falsa perícia – afinal, há um conjunto de critérios existentes apenas no caso dos Peritos Oficiais.
O advento da Lei n° 13964/19 trouxe mais um elemento de responsabilidade para a perícia oficial, atribuindo a essa carreira a importante missão de guardiã da cadeia de custódia, de forma a garantir a inviolabilidade dos vestígios que formarão o conteúdo probatório. Contudo, recentemente, foi aprovada a Lei Orgânica das Polícias Civis (Lei nº 14.735/23), que exorbita de sua finalidade e entra em matéria privativa do Direto Processual Penal, criando peças chamadas “Laudo Investigativo” e “Recognição Visiográfica”, com caráter “técnico e científico”, as quais poderão ser executadas por qualquer policial.
Tal providência dentro da investigação afronta flagrantemente as atribuições periciais, sobrepondose à investidura dos Peritos e a suas premissas e obrigações legais, não tendo qualquer mecanismo de garantia contra vieses de confirmação, ao contrário da prova pericial.
Todas as conquistas da perícia criminal após a redemocratização do Brasil estão em risco, sob os mais diversos argumentos, que sempre buscam privilegiar apenas a confirmação da linha investigativa. O país flerta com a flexibilização da prova pericial, com tentativas direcionadas de reforma do Código de Processo Penal e com a facilitação da usurpação das funções dos Peritos Oficiais, sem contar as gestões administrativas de desestímulo e enfraquecimento à atuação pericial. A falta de concursos e a ausência de investimentos são exemplos corriqueiros disso.
É urgente que todos os atores da persecução penal e as autoridades competentes, em especial o Ministério da Justiça e Segurança Pública, comecem a dar atenção, de fato, ao que vem acontecendo com a perícia oficial. E que tenham consciência de que a flexibilização da prova pericial oferece riscos a toda a sociedade e, sobretudo, para a efetividade da Justiça.
Diferente de meras opiniões técnicas e testemunhos, não raro afetados por memórias falhas, pressões variadas ou intenções ocultas, a análise científica dos vestígios por profissionais revestidos da necessária competência legal é uma das ferramentas mais confiáveis e imparciais na busca pela verdade.
Parabéns aos incansáveis colegas Peritos e Peritas criminais de todo o país, que, em que pese todas as dificuldades, mantêm-se íntegros na busca da verdade e dos conhecimentos científicos em prol da sociedade – característica indelével e necessária ao seu mister.
*Willy Hauffe, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.