Acolhendo representação formulada pela Procuradoria-Geral de Justiça Militar, o Superior Tribunal Militar decidiu, por unanimidade, declarar a indignidade/incompatibilidade para o oficialato de uma ex-primeiro tenente da Marinha, conforme previsto nos arts. 142, § 3º, incisos VI e VII, da Constituição Federal; e 120, inciso I, da Lei nº 6.880/1980.
Condenada a 4 anos e 7 meses de reclusão, em regime prisional inicialmente semiaberto e sem a concessão de sursis pela prática do crime previsto no art. 251, § 3º, do Código Penal Militar, estelionato, a ex-primeiro-tenente teve sua condenação transitada em julgado em agosto de 2023. A decisão judicial, toma por base a atitude fraudulenta da ex-oficial, que induziu a Administração Militar ao erro, além de obter vantagem ilícita.
Tendo ingressado na Marinha do Brasil, no Rio Grande do Sul, em 1º de fevereiro de 2010, para prestar Serviço Militar Voluntário, a oficial temporária foi submetida a inspeção de saúde e aprovada sem restrições. Entretanto, sofreu entorse no tornozelo esquerdo durante marcha realizada em 3 de fevereiro de 2010, conforme documentação anexada aos autos por seus advogados.
Ainda assim, a oficial temporária continuou realizando todas as tarefas do Estágio de Instrução e Serviços (EIS), exceto as atividades que exigiam esforço físico e, após três prorrogações de tempo de serviço, foi licenciada, em 8 de abril de 2014, com base em parecer que concluiu estar “apta para deixar o Serviço Militar Voluntário”.
Foi nesta ocasião que ela ajuizou uma ação de reintegração à Marinha para concluir tratamento de moléstia adquirida enquanto prestava o serviço voluntário. A ex-oficial temporária foi reincluída ao Serviço Ativo da Força Naval em maio de 2014, por decisão da Justiça Federal. A reintegração provisória teria como objetivo permitir a recuperação da lesão sofrida enquanto prestava o Serviço Militar Voluntário.
Entretanto, inquérito instaurado para apurar as circunstâncias do caso verificou que a ex-oficial agiu fraudulentamente ao procrastinar a moléstia adquirida durante o desempenho das funções militares e que já não a acometia mais de forma impeditiva ao labor.
Ainda em abril de 2014, a oficial temporária foi submetida a exames pela Junta Regular de Saúde do Rio Grande e pela Junta Superior Distrital, todas vinculadas ao 5º Distrito Naval. Nestas perícias constatou-se “a ausência de sequela clinicamente significativa para impedimento laboral, bem como a aptidão da acusada para deixar o serviço militar voluntário”.
De acordo com os autos, a perícia constatou a “autopercepção desmesurada da dor no tornozelo esquerdo em consultas médicas e no tratamento fisioterápico, apesar da ausência de alterações significativas nos exames de imagem”. O comportamento reiterado de hipersensibilidade a exames clínicos, com limitação de movimentos, entretanto, não foi observado em outras atividades cotidianas.
Depoimentos de testemunhas e vídeos feitos entre 2015 e 2018 comprovaram que, embora a acusada utilizasse órteses para comparecer às sessões de fisioterapia, não as utilizava em outros locais, Nesses locais, a ré não fazia uso de muletas e bota ortopédica, tendo inclusive carregado sacolas e um carrinho de feira.
A atitude da ex-oficial foi classificada como má-fé pelo Ministério Público e pela Justiça Militar, uma vez que a ex-primeiro tenente seguiu recebendo seus vencimentos como militar, apropriando-se indevidamente de R$ 517.731,75, entre agosto de 2014 e setembro de 2018.
Para o Ministério Público Militar, tal comportamento “caracterizou grave infração penal militar, violando o dever de fidelidade para com a instituição, além de ferir a honra, o decoro, o pundonor militares e os princípios mais caros às Forças Armadas, elencados no art. 28 da Lei 6.880/1980, o que inviabiliza sua permanência nas fileiras da Marinha”. O STM acolheu ainda o argumento de que a conduta perpetrada pela representada revelou personalidade desprovida de qualquer compromisso com a ética ou com o respeito para com a instituição a que servia.