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Jogos de azar ou de sorte?

Com Abracrim.|Foto:©Abracrim.| - 14/10/2024
 

Por Edemundo Dias de Oliveira Filho*

Os dicionários definem jogos de azar como: “aqueles em que o ganho ou a perda estão na dependência exclusiva da ‘sorte’; ou, dela dependem mais que da habilidade do jogador”. Já azar, não por acaso, é um conceito que se aplica a situações e pessoas que provocam resultados desastrosos ou catastróficos.

O primeiro samba brasileiro, Pelo Telefone (1916), de Donga e Mauro Almeida, cantarolava com fina ironia: “O chefe da polícia pelo telefone mandou me avisar que na Carioca tem uma roleta para se jogar […]”. Mostrava a mistura subversiva entre as rodas de samba e de capoeira, o carnaval, os “jogos de azar”, tendo a conivência por parte da Polícia, através do suborno, supostamente circunscrita as periferias das cidades.

Porém, hoje, “o jogo é outro”, como dizem abertamente, na peça publicitária, Ronaldo e Rivaldo, astros do futebol mundial. Por aí, navegam entre as bets (legais e clandestinas) sofisticadas fraudes, lavagem de dinheiro, luxuosos iates, patrocínios vultosos e os interesses convergentes da elite política…

A Folha de São Paulo, em reportagem recente, mostrou que os gastos dos brasileiros via pix com apostas em 2024 devem chegar a R$216 bilhões, e que beneficiários do Bolsa Família já injetaram R$5 bilhões nos jogos virtuais, no mês de agosto. O total apostado pelos brasileiros, apenas em bets, nesse mesmo mês, já alcançou 20,8 bilhões, e o apelo virtual em face dos mais vulneráveis é um grande problema social. O cidadão deixa de levar comida para casa, pois a jogatina é mais sagrada que a ceia.

O que antes era contravenção, a exemplo do “jogo do bicho” e os seus derivados, é hoje, com a versatilidade das tecnologias midiáticas, para além das loterias oficiais, uma indústria poderosíssima, corrompedora e corrompida…

Entrementes, A Veja (19/09) alerta que “sob o escudo das telas de smartphones, uma epidemia se avoluma e só é notada quando a saúde mental e a financeira caminham para a ruína. Antes circunscrita a cassinos, bingos e caça-níqueis, a dependência em jogos de azar ganhou irrefreável pulsão com as facilidades do mundo on-line e, em meio à regulação das bets no Brasil, tem se consolidado como uma das principais preocupações da saúde pública”. Novos dados indicam a redução do poder de compra e o aumento do endividamento relacionados às jogatas virtuais. Segundo o Estadão, “mais de 30% dos brasileiros com contas bancárias buscaram empréstimos para financiar apostas nos últimos 12 meses”.
Ademais, a CBN veiculou uma pesquisa na qual revela que cada vez mais jovens e adolescentes buscam tratamento para apostas on-line, pois são tão bombardeados com propaganda protagonizada por “famosos bem-sucedidos” que acabam psicodependentes. Neuropsicólogos conceituados afirmam que o vício em jogos, especialmente entre pessoas hipossuficientes, já pode ser amplamente sentido com o aumento de transtornos mentais diversos e até de suicídios…

No entanto, graduadas autoridades dos poderes estatais constituídos, com ênfase no Executivo, Judiciário e Legislativo, tentam acochambrar a situação, propondo enquadrar tais jogos na categoria de inofensivo entretenimento, sob o manto de um discutível regramento e uma suspeita seleção dessas “empresas”.

Portanto, pergunto, finalmente: tudo isso não seria um combo deletério para a saúde mental e para o salutar convívio familiar e social? Ou uma patologia tão degradante quanto as drogas? Ou, na verdade, fruto da ambição humana, quando se pretende ganhar muito com o mínimo esforço, e o que se granjeia mesmo é a perturbação da alma?

Esse jogo é de sorte ou de azar?

A resposta fica com o leitor e a sua própria consciência.

*Edemundo Dias de Oliveira Filho é advogado. Delegado de Polícia Veterano. Especialista em Políticas Pública (UFG); em Segurança Pública (PUC/GO); Crime Organizado (Polizia di Statu – Roma/Itália); e, Mestre em Direito Público (UNEX – Espanha).

 

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