Vitor Bellotto*
Imagine que um cliente da sua empresa realiza um pagamento via Pix utilizando o seu CNPJ como chave, mas o valor é creditado em conta aberta sem o seu conhecimento em um banco digital. A partir da combinac?ão de informac?o?es e documentos disponíveis publicamente na internet, como sites de juntas comerciais, pesquisa de sócios, ac?o?es judiciais instruídas com cópia de documentos societários e pessoais dos representantes legais, além de servic?os pagos como SPC/SERASA e empresas de consulta a bancos de dados, os criminosos têm obtido êxito em procedimentos de abertura de contas bancárias em instituic?o?es financeiras e de meios de pagamento.
A esmagadora maioria dos casos de fraude tem sido percebida nos chamados bancos e plataformas de pagamento digitais, empresas do setor bancário que, embora operem sob a premissa de desburocratizac?ão, descentralizac?ão, facilitac?ão de acesso ao consumidor, aliada a? tecnologia com presenc?a 100% digital (sem agências físicas ou número reduzido), têm apresentado maior vulnerabilidade na entrada de novos clientes - o que, por consequência, cria terreno fértil para agentes mal intencionados.
Do ponto de vista criminal, há uma extensa gama de delitos passíveis de cometimento por meio dessa dina?mica. Ao abrir uma conta bancária se passando por outra pessoa, o criminoso pratica falsa identidade. A utilizac?ão para induzir em erro e receber pagamentos de boa-fé de terceiros, devedores ou prestadores de servic?o, pode configurar de fraude eletrônica, modalidade qualificada do estelionato quando cometido em ambiente digital. Além disso, a utilizac?ão das contas para sucessivas transferências, com o objetivo de ocultar a origem ilícita de valores, também pode revelar possível lavagem de dinheiro.
Diante do crescimento de golpes financeiros dessa natureza, no último dia 18 de fevereiro, o Ministério da Justic?a e Seguranc?a Pública e a Federac?ão Brasileira de Bancos (Febraban) lanc?aram a Alianc?a Nacional de Combate a Fraudes Bancárias e Digitais, com o objetivo de prevenir e reprimir golpes e crimes cibernéticos.
Alguns cuidados são essenciais a todas as partes lesadas ou de alguma forma implicadas nas ac?o?es maliciosas. A?s empresas e pessoas físicas em geral, o Banco Central disponibiliza o sistema Registrato, que permite a? pessoa jurídica e ao titular de dados pessoais a realizac?ão gratuita de pesquisas de contas bancárias abertas, empréstimos contraídos, chaves Pix cadastradas, cheques sem fundos e dados de compra ou venda de moeda estrangeira. No atual cenário, consultas periódicas constituem a principal ferramenta para identificar ac?o?es criminosas com brevidade.
Além disso, o registro de ocorrências comunicando a perda de documentos ou incidentes de seguranc?a digital é providência recomendada para demonstrar a boa-fé daquela - empresa ou pessoa física - que teve uma conta indevidamente aberta em seu nome.
Do ponto de vista do consumidor ou tomador de servic?o que realiza pagamentos, a confirmac?ão junto ao credor sobre os bancos e instituic?o?es de pagamento em que possui contas é cautela necessária. Igualmente, os credores também têm o dever de manter atualizadas as informac?o?es junto aos seus clientes, fornecedores e parceiros.
Finalmente, aos bancos digitais cabe robustecer procedimentos administrativos e protocolos de seguranc?a para barrar a porta de entrada de suas plataformas por criminosos. No que se refere a?s políticas e procedimentos, o cadastro positivo e a identificac?ão rigorosa (know your client) demandam validac?ão de identidade não apenas por meio de selfies e fotos em documentos, mas a conjugac?ão de recursos técnicos de biometria, como reconhecimento de voz e facial dina?mico para validar. A autenticac?ão multifator, que combina o uso de senha, biometria, SMS ou aplicativo autenticador, aliada de sistemas de machine learning para detecc?ão de comportamentos não usuais e transac?o?es suspeitas, também são pontos de atenc?ão.
Identificada uma conduta criminosa, a parte lesada - podendo ser o próprio banco ou instituic?ão de pagamento, caso assuma o prejuízo) - deve prontamente comunicar os fatos a?s autoridades competentes. A investigac?ão criminal em casos dessa natureza demanda medidas probatórias de rastreamento dos criminosos, por meio da obtenc?ão dos metadados e IPs de acesso a?s plataformas, a localizac?ão do aparelho telefônico cadastrado, a quebra de sigilo bancário para mapear “o caminho do dinheiro”, interceptac?ão de comunicac?o?es telefônicas, acesso a dados telemáticos vinculados a? conta de e-mail utilizada para cadastro, entre outras técnicas de cruzamento de informac?o?es de fraudes potencialmente correlacionadas.
Portanto, a investigação de fraudes usando o sistema bancário exige uma abordagem multidisciplinar, combinando tecnologia, análise de dados e protocolos de seguranc?a, o que invariavelmente demanda a atuac?ão de profissionais especializados, como analistas de ciberseguranc?a e advogados criminalistas que dominem a gramática técnica e jurídica da investigac?ão em ambiente virtual.
*Vitor Bellotto é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), instituição na qual é mestrando em Direito Penal Econômico e de Empresas. Assessor do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP e sócio do escritório Carina Quito Advogados - vitor.bellotto@carinaquito.com