Como um dos fundamentos da sociedade, o veredito deve permanecer em mãos humanas
O emprego da inteligência artificial na atividade jurisdicional deve ocorrer sob a supervisão zelosa dos juízes.
A visão de que o controle humano sobre a tecnologia é imprescindível para garantir a autonomia do Poder Judiciário foi apresentada pelo ministro Sérgio Kukina (STJ).
Em palestra proferida no terceiro e último dia do 8º Enaje, o ministro afirmou que a IA deve ser compreendida como um apoio à atividade jurisdicional.
O tema é cada vez mais presente no meio judicial. O ministro informou à plateia do Enaje que a União Internacional dos Juízes de Língua Portuguesa (UIJLP) divulgou, no início deste mês, após assembleia realizada em Foz do Iguaçu (PR), uma carta com diretrizes para juízes lusófonos sobre o uso da IA.
“No encontro da UIJLP em novembro, uma das conclusões foi esta: os juízes devem ser capacitados para entender como as tecnologias de IA funcionam. Além disso, os julgadores terão que compreender que essa tecnologia serve para apoiar, mas nunca substituir o julgamento humano. Não se pode perder de vista o olhar do julgador humano.”
O crescente uso da IA na Justiça também foi tema da reunião de outubro do Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça (Consepre), em Belém (PA). Na ocasião, os dirigentes dos Tribunais reiteraram o cuidado que o emprego de algoritmos requer na atividade jurisdicional.
O ministro do STJ citou que o último relatório do CNJ sobre o uso da IA no Poder Judiciário mostrou um aumento de 26% na aplicação dessa tecnologia no ano passado.
“Portanto, está explicitado um uso absolutamente irreversível. Daí a importância da capacitação, para que estejamos habilitados a compreender o que podemos esperar e quais utilidades podemos extrair da inteligência artificial”, acrescentou.
Ética
O presidente do Tribunal da Relação do Porto, em Portugal, José Igreja Matos, apresentou uma visão semelhante, complementando as avaliações do ministro Kukina.
O magistrado português ressaltou que os Tribunais devem assegurar a concessão, administração e controle dos sistemas de IA utilizados nos processos judiciais, e que o uso de algoritmos deve seguir limites impostos por humanos. Na Justiça, esses limites devem ser definidos por juízes. Ele também mencionou a recente carta da UIJLP, com diretrizes para o uso dessa tecnologia na prestação jurisdicional.
José Igreja chamou a atenção para as questões éticas envolvidas na relação entre o Judiciário e os sistemas de IA. Ele informou que esse tema tem sido amplamente discutido no Judiciário de países europeus e comentou que a União Europeia prepara para 2026 a entrada em vigor de regulamentações sobre a IA.
O magistrado advertiu que o uso indiscriminado de sistemas baseados em inteligência artificial na Justiça, sem a devida supervisão dos juízes, pode ameaçar os alicerces do Poder Judiciário.
“Não podemos comprometer a independência judicial porque, sem isso, não seremos juízes. É preciso manter nossa autonomia decisória”, afirmou. “Aceitar a sugestão da máquina sem escrutinar é cometer uma violação ética”, concluiu.
O magistrado encerrou sua palestra afirmando que o processo judicial não é constituído por pessoas digitais.
O 8º Enaje foi encerrado no (16.11), em São Paulo. Desde quinta-feira (14), centenas de juízes se reuniram no Memorial da América Latina para debater os desafios e as perspectivas da Justiça.