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ADI 7756 no STF: Quando a tradição nas Assembleias enfrenta os limites da razoabilidade constitucional

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redacao@justicaemfoco.com.br (Foto: Gustavo Moreno) 17 de abril de 2025
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Por Ronaldo Nóbrega 
17.abr.2025 (quinta-feira) - 8h40

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7756, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), transcende o caso concreto da Assembleia Legislativa do Maranhão (AL/MA) e desafia a Corte a delinear, com maior nitidez, os contornos da autonomia legislativa frente aos princípios constitucionais que regem a organização do Estado brasileiro.

A controvérsia, aparentemente singela — a utilização da idade como critério de desempate na eleição da Mesa Diretora —, esconde, na verdade, uma tensão institucional profunda entre tradição regimental, pragmatismo político e os fundamentos do constitucionalismo democrático.

O coração da disputa: a simetria constitucional

O dispositivo impugnado, constante do artigo 8º, inciso IV, do Regimento Interno da AL/MA, alterado pela Resolução nº 1.300/2024, estabelece que, em caso de empate, será eleito o deputado mais idoso. A regra, segundo o partido Solidariedade, viola o princípio da simetria constitucional, que exige que as Assembleias Legislativas se organizem à semelhança da Câmara dos Deputados, respeitando os pilares da alternância de poder, da isonomia e da impessoalidade.

O STF tem, ao longo da última década, sedimentado jurisprudência nesse sentido. Julgados recentes, como os das ADIs 6524, 6699, 7350 e da ADPF 871, reforçam que a autonomia dos parlamentos estaduais é limitada pelos princípios fundamentais da Constituição. Não se trata de limitar a criatividade regimental, mas de assegurar que as disputas internas reflitam o espírito democrático que legitima o exercício do poder legislativo.

A controvérsia do critério etário

O argumento central da ADI é que a idade, como critério isolado, é subjetivo, anacrônico e casuístico. Diferentemente do tempo de atuação parlamentar ou do número de mandatos — parâmetros que traduzem experiência e representatividade —, a idade não guarda relação direta com a legitimidade do voto parlamentar.

A crítica ganha corpo diante da cronologia dos fatos: a alteração regimental foi aprovada às vésperas de uma eleição interna, o que levanta suspeitas de uso estratégico da regra para favorecer determinadas candidaturas.

A defesa da AL/MA, por outro lado, sustenta que o critério etário já constava do regimento desde 1991 e que sua retomada em 2024 respeita uma prática institucional consolidada. Alega ainda que ao menos 17 outras Assembleias estaduais adotam regra semelhante, em consonância com o art. 110 do Código Eleitoral — Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 — e com o art. 77, §5º, da Constituição Federal, que preveem a idade como fator de desempate em outras esferas do processo político.

No entanto, a invocação de uma norma de 1965 — concebida sob um ordenamento anterior à Constituição de 1988 e em contexto de regime autoritário — exige cautela. Embora o Código Eleitoral permaneça em vigor, sua aplicação automática a disputas internas do Poder Legislativo estadual carece de aderência ao atual sistema constitucional, fundado em princípios democráticos, de alternância no poder e impessoalidade. O simples fato de que outras Assembleias ainda utilizem esse critério não o transforma em paradigma legítimo, sobretudo quando a prática ignora o avanço institucional exigido pelo constitucionalismo contemporâneo. A estabilidade regimental não pode ser escudo para práticas que contrariam a lógica da representatividade democrática.

Um teste para a democracia

Não se trata de mera disputa interna ou de um detalhe regimental. A eleição das Mesas Diretoras impacta diretamente na governança parlamentar: define o controle da pauta, o ritmo dos trabalhos legislativos e a interlocução com o Executivo. O método de eleição, portanto, precisa refletir princípios de isonomia, alternância e transparência, sob pena de fragilizar a legitimidade da própria Casa Legislativa.

A adoção de critérios mais objetivos, como fez recentemente a Câmara Legislativa do Distrito Federal, pode representar um avanço institucional. Ao estabelecer uma escala de critérios — como tempo de mandato, número de legislaturas e, apenas em último caso, idade — o Legislativo distrital deu um passo em direção à consolidação de uma democracia interna mais equilibrada, alinhando-se ao modelo adotado pela Câmara dos Deputados.

Repercussões além do Maranhão

O julgamento da ADI 7756 será uma oportunidade para o STF reafirmar ou redimensionar o que se entende por "estatuto eleitoral mínimo" aplicável às Casas Legislativas. A depender da decisão, será possível estabelecer jurisprudência vinculante sobre os critérios de desempate, o que poderá gerar efeitos normativos em cadeia nos parlamentos estaduais e até municipais.

Mais do que isso, o caso reacende o debate sobre os limites da autonomia federativa, especialmente no tocante à organização interna dos poderes legislativos locais. A tensão entre autonomia e supremacia constitucional não é nova, mas ganha contornos sensíveis quando envolve o equilíbrio entre as instituições.

A ADI 7756 representa, em essência, um teste de coerência institucional. O Supremo está diante da oportunidade de reafirmar seu papel como guardião dos princípios democráticos, assegurando que a organização interna dos parlamentos não se afaste da lógica constitucional que rege a República.

A decisão do Supremo pode ir além da correção de um eventual desvio regimental: representa a oportunidade de estabelecer parâmetros normativos sólidos e permanentes para a organização das Casas Legislativas brasileiras. Em um cenário de constantes desafios à estabilidade institucional, reafirmar os princípios da isonomia, da impessoalidade e da razoabilidade não é apenas uma medida técnica — é um verdadeiro imperativo constitucional.

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